Marraquexe, Marrocos

27-12-2024


Marraquexe, a eterna Cidade Vermelha, é um desses raros locais capaz de, num ápice, nos fazer descolar da nossa própria realidade. Ali, por entre o bulício dos que se apressam na vida do dia a dia, dos que penduram artefactos em paredes feitas expositores, com a mesma parcimónia com que penduram sorrisos em rostos marcados pelo tempo e pela dureza da vida, ou dos que se curvam perante meca e assim se deixam ficar, em oração, como se o mundo inteiro se dissolvesse num murmúrio lento, a nossa pele não é a nossa. Já não somos os mesmos. As cores, os cheiros e os costumes são outros. A cultura, riquíssima, é outra. A arquitetura, esculpida em gesso ou pintada em zellij coloridos, é outra. Tudo é outro lugar. Tantas vezes descrita como vibrante, Marraquexe lembra-me mais aquela sensação de quando a festa acaba e a euforia dá lugar a uma certa paz, tantas vezes nostálgica, transmitida pela certeza de que a vida se cumpriu tal como devia. Assim é Marraquexe, uma cidade que nos obriga a uma introspeção, sobre nós próprios mas também sobre a cultura ocidental de que vamos imbuídos, que nos desperta para o outro. O outro que afinal somos também nós. Apesar da estranheza inicial, é fácil habituarmo-nos à vida da cidade, cadenciada pelo ritmo dos chamamentos para a oração, a lembrar que algures está alguém a suportar o peso do mundo. Os monumentos contam a história da cidade e os marrakchi sabem recontá-la com o orgulho de quem reconhece o valor do tesouro que guarda. Na Medina, nos souks ou nas largas avenidas do Guerliz ou de Hivernage, a vida acontece. A vida apenas, sem mistificação.          

🎧 billie eilish, when the party´s over   


O QUE SABER ANTES DE IR

Antiga cidade imperial, situada no sopé norte da cordilheira do Grande Atlas, Marraquexe é a quarta maior cidade de Marrocos e foi fundada em 1062, apesar de haver vestígios da sua ocupação desde o neolítico, tendo-se tornado rapidamente num importante centro cultural, religioso e comercial do norte de África, estatuto que mantém até aos dias de hoje. A par do tradicional comércio de tapetes, couro e especiarias, Marraquexe tem-se vindo a destacar no setor do turismo, da hotelaria e da restauração, atraindo um número cada vez maior de visitantes (em 2024 foram 4 milhões), seduzidos pela grande quantidade  de riads, hotéis e resorts de que dispõe e pela riqueza cultural e hospitalidade que oferece. As línguas oficiais são o árabe e o Amazigh, mas praticamente todos os marroquinos dominam o francês e, hoje em dia, o inglês é também muito falado, principalmente no setor do turismo. A moeda oficial é o dirham marroquino (MAD), sendo que cada euro valerá cerca de 10 dirham, e apesar de o custo de vida em Marraquexe ser inferior ao da generalidade das cidades europeias, nas zonas turísticas essa diferença fica bastante atenuada, com os hotéis e os restaurantes em geral a ajustarem os preços ao poder de compra de quem os visita. O clima é mediterrâneo seco, com temperaturas altíssimas nos meses de verão e mais amenas durante o inverno, com as máximas a rondarem os 18º graus durante o dia, e por isso visitar a cidade durante o inverno pode ser uma boa opção. Marraquexe é nesta altura uma cidade bastante eclética, dividida entre a Medina e a Cidade Nova, desenvolvida essencialmente durante o período do protetorado francês (entre 1912 e 1956), com bairros como o Gueliz ou Hivernage dotados de uma arquitetura de estilo mais europeu (ainda que sempre com obediência às regras impostas a respeito da altura dos edifícios, que não poderão ultrapassar os 69 metros do minarete da mesquita Koutoubia e da sua cor, em tom rosado ou avermelhado). Aqui as avenidas são largas e bem cuidadas e em todo o lado há lojas, cafés, galerias de arte e até centros comerciais (na Avenida Mohamed V, mesmo ao lado do hotel Radisson Blu fica o Carre Eden Shopping Center, com uma enorme oferta de lojas, um supermercado e uma praça de alimentação com várias opções de restaurantes). É bastante seguro passear pela cidade, quer nesta parte nova, quer na Medina, e os marrakchi são bastante prestáveis e hospitaleiros. A religião dominante em Marrocos é o islão, com mais de 98% de população muçulmana, o que marca a vida quotidiana dos habitantes locais, com cinco orações diárias anunciadas a partir do minarete das mesquitas e rituais como o ramadão a assumir um papel importante na vida dos fiéis. Mas apesar de ser um país oficialmente muçulmano, Marrocos é bastante tolerante, quer com outras religiões (com a liberdade religiosa consagrada na constituição), quer com os costumes de visitantes de outras paragens (ainda que seja recomendável algum decoro no modo de vestir, especialmente no que diz respeito às mulheres). Quanto a roteiros, não haverá fórmulas mágicas, dependendo essencialmente do interesse de cada visitante. O nosso Top + da cidade, de atrações imperdíveis, inclui a Mesquita Koutoubia, a Praça Jemma El Fna, a Medina e os souks, a madraça Ben Youssef, o Palácio Bahia, o Museu de Artes Culinárias de Marraquexe, os Jardins Menara e o Jardim Majorelle. A não perder será também a experiência de fazer um banho hammam, um clássico marroquino, que faz parte do quotidiano da cidade e dos seus habitantes. Mas haverá muitos outros locais de interesse. Como em todas as viagens, houve locais que queríamos ter visitado e que, por uma ou outra razão, ficaram de fora do roteiro (como os Túmulos Saadianos, o Jardin Secret, ou já, fora da cidade, o deserto de Agafay), mas ganhámos outros com que não contávamos, como o Jardim Ben Youssef (este, provavelmente, bem mais secreto), onde aprendemos a servir chá (sem nunca mexer o açúcar e repetindo a operação de deitar o chá e voltar a colocá-lo no bule até que, vertido lá do alto, o mesmo faça espuma, altura em que estará pronto a beber). Ou ainda o Mellah, o bairro judeu (o único com casas com varandas, proibidas aos muçulmanos como forma de evitar a exposição das mulheres a olhares alheios) com uma história marcada pela resiliência de um povo, mas também pela hospitalidade e generosidade de quem o soube receber quando mais precisava. Qualquer que seja o rumo que uma vista a Marraquexe tome ele será, por isso, sempre enriquecedor. 


MESQUITA KOUTOUBIA

Com os seus 69 metros de altura, o minarete da Mesquita de Koutoubia (o mais alto edifício de Marraquexe), domina a cidade e define-lhe o carácter. Nenhuma edificação o pode superar em altura e todas têm de respeitar o tom que o arenito rosado lhe empresta. A cidade, dentro e fora das muralhas, espraia-se à volta de Koutoubia, como que numa reverência contida, e sustém a respiração a cada chamamento para a oração, a cada gesto de recolhimento em busca de Meca,  quando a hora do dia impõe aos fiéis uma das 5 orações obrigatórias. Erigida  sobre uma anterior mesquita (de que são hoje bem visíveis as bases dos pilares da sala de oração), Koutobia deve o seu nome aos vendedores de livros (em árabe kubut) que em tempos a rodeavam e acabou de ser construída em 1158, sendo um notável exemplo da tradicional arquitetura mourisca. O minarete, em especial, que serviu de inspiração às mesquitas de Rabat e de Sevilha, ricamente decorado, impressiona quem o avista com os seus incríveis ornamentos, como o estuque escupido, os mosaicos coloridos (de que subsistem apenas duas fiadas)  e as três esferas que o coroam (a representar o Sol, a Terra e a Lua). O seu interior só pode ser acedido por muçulmanos, mas o exterior permite ter uma ideia da grandeza desta que é a maior mesquita da cidade e que, em tempos, se assumiu como a mais importante do mundo  islâmico. Rodeada de bonitos jardins, povoados de bancos e sombras frescas, e bem perto de Jemaa el Fna, é o local ideal para saborear Marraquexe, oferecendo vistas incríveis para o pôr do sol. Conta ainda com uma praça, toda ela adornada com palmeiras, junto à qual se situa um enigmático edifício branco, onde, reza a história, jaz o corpo da filha de um escravo que todas as noites se transformava numa pomba branca. O ideal será, por isso, percorrer todo o exterior da mesquita, descobrindo-lhe os recantos e atentando nos incríveis pormenores que a compõem. Foi o primeiro local que visitámos na cidade e durante a nossa estadia, por várias vezes lá voltámos, atraídos pela sua imponência e colossal beleza. Um ícone bem representativo do espirito da cidade que, juntamente com a Medina, está classificado como Património Mundial pela Unesco desde 1985.                         


PRAÇA JEMAA EL FNA 

Partindo de Koutoubia, e seguindo pela Praça Foucault, pejada de caleches e cavalos, que é possível alugar para passeios, chega-se a Jemma El Fna, considerada pela Unesco "Património Cultural Imaterial da Humanidade". E é de humanidade que se faz esta praça. Logo pela manhã, os primeiros a aparecer são os vendedores de sumo de laranja, com carrinhos de mão de cores garridas, a apregoar aquele néctar acabado de espremer, a que depressam se juntam os encantadores de serpentes, os acrobatas, os leitores de sina, os que desenham tatuagens de henna, os que vendem especiarias, os que vendem de tudo um pouco, os carregadores, os aguadeiros, que nas suas vestes e chapéus coloridos oferecem água aos transeuntes, todos eles a apregoar os seus produtos, seduzindo quem por ali passa, numa voragem de sons, cheiros e cores estonteante. Herdeira da época em que ali se expunham, espetadas em estacas, as cabeças dos criminosos decapitados, ainda hoje Jemma El Fna tem essa natureza crua, de quem não tem nada a esconder e exibe da mesma forma o luxo e a miséria,  o afeto e o desdém, assaltando quem a visita com uma frontalidade desarmante.  Não obstante os esforços das autoridades para organizar a praça, com a criação de postos de venda mais modernos e a constante limpeza do piso, a verdade é que muitas das vendas aqui ainda são feitas em mantas estendidas no chão, onde se expõem produtos e se erguem os olhos  aos visitantes na esperança de que estes se comovam com a necessidade de quem assim vive. Como um vestíbulo da cidade, a praça dá ainda acesso aos famosos souks, que se desenham em labirintos estreitos, repletos de trilhos feitos de passos tão antigos como os riads que neles se escondem, capilares de uma cidade que derrama autenticidade e reclama a sua herança como centro nevrálgico da interseção entre ocidente e oriente. À noite, a praça ganha uma outra vida, com a chegada do mercado noturno e as suas cozinhas e esplanadas improvisadas, a competir com os muitos cafés e restaurantes que se dispõem ao redor de Jemaa El Fna, alguns com rooftops com vistas fantásticas para a praça. Um lugar único, cheio de alma, que permanece autêntico e sobrevive à voragem do tempo atual.          


MEDINA E SOUKS

Em 1122, o sultão Ben Youssef decidiu fortificar a sua cidade, com vista a evitar o ataque dos Almóadas do Sul, criando uma linha defensiva ao redor de Marraquexe. Datam dessa época as muralhas da cidade, construídas num circuito de cerca de 10 km, com uma altura de até 9 metros, cerca de 200 torres e 20 portas, numa mistura de lama, palha e cal (pisé), que quando seca adquire uma resistência impressionante e que devido aos pigmentos da terra existente no local confere ao conjunto o tom rosa ou avermelhado tão caraterístico de Marraquexe, também conhecida por Cidade Vermelha. Dentro destas muralhas, que permanecem praticamente inalteradas até aos dias de hoje e se mostram notavelmente bem conservadas, encontra-se a Medina, ou cidade velha, o verdadeiro coração de Marraquexe. Há ruas que parecem corredores de casas e fachadas que lembram as paredes de uma sala de estar. Por todo o lado há bancas de venda dos mais variados produtos, lojas dentro de lojas dentro de outras lojas, numa sucessão de expositores que parecem não ter fim. Assim são os souks (ou mercados, em árabe), verdadeiros labirintos movediços, que parecem mudar de forma a cada passo, onde regatear faz parte da cultura local e onde literalmente é possível encontrar de tudo. Haverá várias maneiras de conhecer os souks da cidade, mas a menos que se recorra à habilidade de um guia local, o resultado passará inevitavelmente por, mais tarde ou mais cedo, se perder. O que não é necessariamente mau, mas pode afligir os mais claustrofóbicos. No nosso caso, optámos por fazer uma visita guiada que nos permitiu conhecer, para além do óbvio e do que está à vista de toda a gente, um lado mais reservado dos souks e da Medina, como os bastidores de um banho Hammam, onde era abastecida a caldeira rudimentar que permite a libertação do vapor nos famosos banhos, ou um forno onde estava a ser cozido o maravilhoso pão local, destinado aos maiores restaurantes e hotéis da cidade. Há também passeios que permitem percorrer o exterior das muralhas, de caleche, por exemplo, e ficar a conhecer todas as suas portas, mas a verdade é que qualquer incursão pela cidade nos leva, necessariamente, a um ou outro troça das muralhas, que se revelam omnipresentes na Medina, o mesmo acontecendo com as suas portas, dispostas um pouco ao redor de toda a cidade velha, pelo que qualquer passeio proporcionará inevitavelmente vistas para as muralhas e para as suas portas. Atenção: apesar de grande parte das ruas da Medina serem pedonais, isso não significa que as mesmas não tenham imenso trânsito. Para além de pessoas e mais pessoas, as estreitas ruas da cidade velha são ainda frequentadas por caleches, carregadores, motas, bicicletas e tuk-tuks, o que torna particularmente caótica a circulação nestas zonas. Seja como for, a pé ou de tuk-tuk,  com ou sem guia, calcorrear a Medina e os souks de Marraquexe será sempre uma experiência inesquecível!       


MADRAÇA BEN YOUSSEF

Bem no centro da Medina, num edifício que por fora não permite adivinhar as maravilhas que o seu interior encerra, encontra-se a Madraça Ben Youssef, um dos cartões de visita mais conhecidos da cidade. Construída no século XIV é um soberbo exemplar da idade de ouro da arquitetura marroquina, com destaque especial para o pátio principal, dotado de arcadas de dois dos lados, uma piscina retangular ao centro e superfícies ricamente decoradas, cujo esplendor é exponenciado pela generosa luz natural que inunda o espaço. Aqui todas as superfícies são trabalhadas: a parte de baixo das paredes encontra-se coberta com mosaicos (zellij), que reproduzem estrelas de oito pontas; no meio há uma banda de texto estilizado inserido em desenhos florais; e na parte superior há painéis de estuque trabalhado com inscrições ou padrões geométricos. O cedro trabalhado das portas e tetos completa o conjunto, num cenário deslumbrante que apela à contemplação. Durante quatro séculos a madraça assumiu-se como um prestigiado local de ensino religioso, vocacionado para o estudo do Corão e esse seu espirito emana de todas as dependências, quer seja da Sala de Orações quer das pequenas celas destinados aos alunos, hoje despojadas de mobiliário, mas ainda assim bem representativas da humildade dos estudantes de outros tempos. Com um site oficial bastante completo (wwww.merdersabenyoussef.ma), a Madraça não dispõe no local de informações pormenorizadas acerca da visita, pelo que se aconselha prepará-la com antecedência, de forma a poder apreciar toda a sua riqueza e significado. Na verdade, apesar de ser uma cidade bastante turística, Marraquexe não oferece aos seus visitantes os habituais produtos turísticos, como flyers ou mesmo livros dedicados à história e arquitetura dos locais. Os bilhetes podem ser adquiridos na bilheteira da Madraça ou online. No nosso caso, optámos por comprá-los na bilheteira física, no próprio dia e não tivemos qualquer tempo de espera à entrada. Nas imediações, na Praça Ben Youssef, pode ainda visitar-se o Museu de Marraquexe, instalado num palácio do século XIX, que exibe material etnológico e arqueológico. Por se situar dentro da Medina, a Madraça não é acessível de carro ou táxi, mas é possível alcançá-la de tuk tuk. De uma beleza assombrosa, merece sem dúvida uma visita atenta.                   


PALÁCIO BAHIA 

Ainda dentro da Medina, junto ao Bairro Judeu (Mellah), encontramos o Palácio Bahia (ou "brilhante"), construído nos anos de 1890 em estilo marroquino, com cerca de 150 divisões, vários pátios interiores e um jardim com uma área de 8.000 m2, tudo isto como forma de o Grão Vizir Amade Ibne Muça agradar a Lala Zinabe, uma das suas 4 esposas, para quem construiu também uns aposentos especiais (designados de Grande Riad), complementados por um jardim interior belíssimo, inundado pelo chilrear dos pássaros que habitam as árvores de fruto que ali florescem, num cenário que transmite uma sensação de serenidade inigualável. A norte destes aposentes, encontra-se o pátio principal do palácio, decorado com um lago e uma fonte e rodeado pelos quartos destinados às 24 concubinas do Grão Vizir. Os pormenores são muitos e são arrebatadores: há tetos esculpidos e pintados, portas de cedro trabalhadas, zellij coloridos nos pátios, salas finamente decoradas e jardins verdejantes. As histórias com ele relacionadas também são várias: como a existência de uma sala secreta que permitia a Lala Zinabe assistir oculta a reuniões importantes do Grão Vizir, de forma a poder depois aconselhá-lo em privado ou o saque de que o palácio foi alvo depois da morte do Grão Vizir, dizem alguns, por ordem do Sultão Mulei Abdalazize, que queria para si o esplendor das suas ricas decorações. Apesar de ter sido reabilitado e de hoje ser usado pela família real marroquina quando está na cidade, o infortúnio parece continuar a marcar a vida deste Palácio, que sofreu sérios danos no terramoto de 2023, em especial nos espaços do Grande Riad. Ainda assim será sempre merecedor de uma visita, quer pela beleza dos espaços, quer também pelas histórias que encerra.              


MUSEU DE ARTES CULINÁRIAS DE MARRAQUEXE 

A dois passos do Palácio Bahia, bem perto do souk com o mesmo nome e do Bairro Judeu, fica um dos segredos (até agora) mais bem guardado de Marraquexe e um dos nossos locais favoritos da cidade: um palácio do século XVIII, que pertenceu a um notável da cidade, maravilhosamente recuperado e que atualmente alberga o Museu de Artes Culinárias de Marraquexe. A visita ao museu, totalmente dedicado à rica gastronomia marroquina, deixa espaço a que se explore livremente o interior deste palácio, de que faz parte um maravilhoso pátio, finamente revestido a zellij, adornado ao centro com uma majestosa fonte de mármore carrara, emoldura por oliveiras, palmeiras e lanternas de latão. E tudo isto sem as multidões do Palácio Bahia ou da Madraça, ou melhor, sem praticamente ninguém. Mas, para além da beleza dos seus espaços, o museu oferece diversos outros atrativos, como aulas de culinária, um restaurante de excelência no rooftop, com comida tipicamente marroquina maravilhosamente confecionada, um requintado salão de chá no piso térreo e uma charmosa loja com produtos marroquinos cuidadosamente selecionados. No nosso caso, devido à hora da nossa visita, almoçámos no rooftop e a experiência não podia ter sido melhor: comida deliciosa num ambiente exclusivo e com um atendimento muito atencioso. É um mistério como é que este museu ainda não foi descoberto pela massa de turistas que invade a cidade e permanece atualmente desconhecido de grande parte das pessoas que a visitam e até das que nela habitam. O taxista que nos levou ao local, por exemplo, desconhecia por completo a existência deste museu, chegando mesmo a garantir que não havia nenhum museu na morada que lhe indicámos, mostrando-se genuinamente surpreendido quando percebeu que afinal existia mesmo. Dada a proximidade do Palácio Bahia e do Palácio Badii (de que restam apenas ruínas e que não visitámos por ter sido fortemente danificado pelo terramoto de 2023), o Museu de Artes Culinárias de Marraquexe é de muito fácil acesso e não será difícil de encontrar em qualquer passeio pela zona. Obrigatório será mesmo entrar e deixar-se maravilhar.         


JARDINS MENARA 

Fora das muralhas da cidade velha, perto do moderno bairro de Hivernage, fica um dos jardins mais antigos de Marraquexe. Originalmente construído no séc. XII, como um pomar, o Jardim Menara dispõe de um enorme tanque central, alimentado por um engenhoso sistema hidráulico que canaliza as águas das montanhas do Atlas, a mais de 30 Km de distância, dizendo-se que essas águas chegavam mesmo ao centro de Marraquexe e a Koutoubia, onde os fiéis, vindos em peregrinação de longínquas paragens, podiam assim refrescar-se antes de  entrarem na mesquita. Este mesmo tanque, para além de funcionar como reservatório para regar os vastos olivais ali existentes, tinha também como função arrefecer as áreas circundantes e terá sido usado como tanque de aprendizagem de natação de soldados treinados para atravessarem o mediterrâneo até à Andaluzia. Já no domínio dos Saadianos, no século XVI, os Jardins foram enriquecidos com um Pavilhão, de dois andares, coberto com um telhado verde ("menzeh", de que terá derivado o nome menara) e dotado de um mirante, como uma vista soberba para a água,  que seria local de reflexão e contemplação e refúgio de verão de sultões. Hoje em dia é muito frequentado quer por turistas quer por locais, que o usam como espaço de piqueniques e passeios em família. E percebe-se porquê: a superfície da água do grande tanque forma um espelho incrível da paisagem circundante, refletindo as montanhas do Grande Atlas, o pavilhão e os céus de Marraquexe, num escape idílico do burburinho da cidade. Os jardins são livremente acessíveis e o pavilhão também está aberto para visitas. Vale a pena percorrer o interior e descobrir as pinturas e os mosaicos que o decoram, apreciando todo o seu simbolismo e a incrível vista para as montanhas. Um jardim de encantar.          


JARDIM MAJORELLE

É conhecida a atração exercida por Marraquexe sobre várias personalidades e artistas. Winston Churchil, Charles de Gaulle, George Orwell ou Yves Saint Laurent são alguns dos nomes ligados à vida da cidade, mas nenhum outro a terá impactado tanto como Jacques Majorelle. Depois de ter adquirido um palmeiral na cidade, em 1922, o pintor francês construiu no local uma vila Art Déco, projetada pelo arquiteto Paul Sinoir. Majorelle criou então ao seu redor um luxuriante jardim, repleto de flores tropicais e espécies de catos de todo o mundo. O jardim conta ainda com uma fonte e dois grandes tanques, em que o mais pequeno é alimentado por meio de um canal, aqui se destacando, como no exterior de toda a vila, o tom azul cobalto eletrizante que veio a ficar conhecido como "azul majorelle". Em 1947, Jacques Majorelle abriu os jardins ao público, mas com a sua morte, 15 anos depois, a propriedade acabou por entrar em declínio. A sua recuperação deve-se ao estilista francês Yves Saint Laurent e ao seu companheiro Pierre Bergé, que deu nome ao Museu Pierre Bergé de Artes Berberes, dedicado ao povo Imazighen. Com uma coleção de mais de 600 artefactos, este museu, instalado no interior da Vila, permite ficar a conhecer a riqueza e a diversidade da cultura do povo mais antigo do norte de África. O site oficial (www.jardinmajorelle.com) permite a compra online de bilhetes (quer para o Jardim, quer para o Museu), que deverá ser feita com antecedência, uma vez que os bilhetes esgotam com facilidade. A entrada é depois feita por slots horárias, de forma bastante bem organizada. Imperdível.       


FICAR EM MARRAQUEXE

São inúmeras as opções de alojamento em Marraquexe. Desde riads situados no coração da Medina, a hotéis mais ou menos luxuosos dentro do perímetro da cidade, até resorts nas proximidades de Marraquexe, a Cidade Vermelha oferece um pouco de tudo. No nosso caso, para a nossa estadia de 4 noites, optámos pelo Radisson Blu Hotel, Marrakech Carre Eden. Situado na Avenida Mohamed V, a meio caminho entre o eclético bairro de Gueliz e o centro histórico da cidade, este hotel de 5 estrelas oferece a quem o visita todas as condições para uma estadia memorável na cidade. As instalações são de excelente qualidade e o atendimento é muito atencioso. A suite júnior em que ficámos instalados tinha 55 m2 e era um verdadeiro oásis de conforto. Para além de ter uma área de estar separada e um walk in closet, tinha uma casa de banho fabulosa, com um gigantesco chuveiro e uma banheira em microcimento incrível. O serviço de limpeza funcionou também sempre muito bem e todos os funcionários com quem nos cruzámos foram de uma simpatia inexcedível. O hotel dispõe de um restaurante, no primeiro piso, com um ambiente sofisticado e uma ementa muito interessante, que inclui pratos tradicionais marroquinos, e de uma pequena pastelaria (Lila Pâtissirie), no rés-do-chão, com uma montra virada para o exterior do hotel, toda ela repleta de doces iguarias, de cores e formas surpreendentes, que poderão ser acompanhadas com um tradicional chá (servido com menta fresca) ou com o famoso sumo de laranja marroquino. O hotel conta ainda com uma loja, que apresenta uma criteriosa seleção de produtos típicos e com um Spa muito completo, o Lila Spa, que inclui um banho Hammam do outro mundo. Com vários tipos de tratamento, o clássico banho hammam com esfoliação que experimentei alcançou o pódio como uma das minhas experiência preferidas em Marraquexe. O ambiente, marcado pelo brilho subtil dos mosaicos que revestem o espaço e pelo delicioso cheiro a eucalipto que impregnava o vapor, e a doçura da terapeuta que me acompanhou e que comigo partilhou dicas e histórias, fizeram com que, por instantes, o mundo exterior se desvanecesse e o espaço (e o tempo, que a todo o instante entretece os seus fios) fosse todo ele serenidade.  Para além de tudo isto, o hotel oferece ainda serviços personalizados, à medida de cada cliente, organizando experiências fora de portas, de excelente qualidade. No nosso caso, optámos por uma City Tour privada de meio dia, que inclui transfer desde o hotel até à Mesquita Koutoubia e uma visita guiada, a pé, com um experiente guia pelos principais pontos de interesse do centro histórico. Melhor será impossível.                      


DICAS & OUTRAS INFORMAÇÕES ÚTEIS

Viajar para a Cidade Vermelha a partir de Lisboa é muito fácil, com várias companhias aéreas a operarem voos diretos diariamente, com uma duração de cerca de 1 hora e meia. No destino, o Aeroporto de Menara, dotado de infraestruturas modernas, fica a cerca de 6 km do centro da cidade, que será facilmente alcançável através de autocarro ou mesmo de táxi. No nosso caso, voámos com a TAP e reservámos um transfer privado para o hotel (tudo tratado com a Go Discover de Castelo Branco e a Tânia Antunes) e, como sempre, correu tudo lindamente. Já dentro da cidade, optámos algumas vezes por nos deslocarmos de táxi. Há imensos táxis em Marraquexe e por isso são uma forma muito cómoda de viajar, ainda que tenham uma especificidade: a generalidade dos táxis, os vulgares carros de 5 lugares, apelidados de petit táxi, apenas podem transportar até 3 passageiros. Para famílias de 4, em princípio, será necessário recorrer a um grand táxi, ainda que alguns taxistas facilitem quando entre os passageiros se contam crianças. Para além disso, há os tuk-tuks, que podem ser uma boa alternativa no interior da Medina, em que não circulam carros. Esse pode, aliás, ser um fator a considerar na hora de escolher o alojamento. No nosso caso, apesar de nos termos sentido tentados a optar por um Riad na Medina, acabámos por nos decidir por um hotel na Cidade Nova, já que essa localização para além de nos permitir deslocarmo-nos mais facilmente (de carro) entre pontos de interesse, também nos permitiu conhecer um pouco o lado mais moderno da cidade. Já para conhecer a Medina optámos por fazer uma visita guiada com um guia local (o nosso amigo Azouaoui Assaddeq), o que nos permitiu explorar a cidade velha e os souks (sem nos perdermos) e ter acesso a locais e informações que de outro modo seriam difíceis para nós de obter. Foram cerca de 4 horas e meia em que ficámos a conhecer a vida da cidade, mas também costumes e tradições e parte da riquíssima cultura de Marraquexe, numa experiência em família que não iremos esquecer. Claro que nenhuma visita à cidade ficará completa sem as tradicionais compras. A variedade da oferta e o exotismo dos produtos torna muito difícil resistir à tentação de trazer para casa um pouco daquela atmosfera: babuchas de mil cores, variadíssimos artigos em couro, como malas, carteiras ou cadernos, especiarias, tapetes, chás ou o famoso sabão preto usado nas exfoliações do típico banho hammam, são alguns dos itens mais desejados. Os souks são uma boa opção para adquirir este tipo de produtos, mas pode também optar-se pelo L´Ensemble Artisanal. Nesta espécie de cooperativa de artesãos, que garante a autenticidade dos produtos, tudo tem um valor fixo, assegurando-se assim uma remuneração justa aos seus produtores. Situado na Avenida Mohamed V, em frente ao Cyber Parque, só o edifício vale uma visita. A entrada faz-se por um portal de estuque esculpido, finamente decorado com zellij coloridos e lá dentro é possível encontrar latoeiros, armeiros, tecelões, artesões de madeira, couro e joias, sem esquecer os comerciantes de têxteis e chinelos, num ambiente tranquilo, em que é possível conversar e ficar a saber mais sobre o trabalho de cada um. Os pagamentos são feitos apenas em numerário, pelo que convirá levantar dinheiro com antecedência. Há várias caixas ATM espalhas pela cidade, em especial nos bairros mais modernos, e no caso de se usar um cartão Revolut as comissões são reduzidas. Para viagens fora da zona euro, a abertura de uma conta Revolut é mesmo muita prática, já que permite converter euros na moeda local e depois simplesmente fazer levantamentos, sem necessidade de fazer qualquer câmbio propriamente dito. E no caso de sobrar dinheiro, bastará depois convertê-lo novamente em euros e usá-lo em casa. A abertura de conta não tem custos (para além dos associados ao envio do cartão) e a APP tem funcionalidades muito giras (como um mapa que apresenta as viagens feitas e os montantes gastos em cada uma). Como em qualquer viagem, aconselha-se o registo no Portal do Viajante, do MNE, que permite às autoridades portuguesas ter conhecimento do paradeiro dos seus viajantes nacionais. Será também aconselhável a celebração de um seguro de viagem, para eventuais despesas médicas ou hospitalares, no nosso caso também contratado através da Go Discover. Em termos de saúde, convirá apenas ter o cuidado de beber somente água engarrafada e garantir que os alimentos crus são bem lavados antes do seu consumo. De resto, é perder-se com a gastronomia local, com tagines que se derretem na boca e uma profusão de sobremesas de fazer chorar, e desfrutar da cidade ao máximo.